Desde seu surgimento a ANVFEB – Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira – propunha-se a congregar exclusivamente os participantes da Campanha da Itália, ao contrário das várias associações de ex-combatentes que incluíam ex-membros das forças armadas que, durante a guerra, tinham se ocupado da defesa do litoral. A principal causa da dissidência foi a caótica situação jurídica que fez com que os homens que tinham se arriscado cruzando o Atlântico fossem equiparados a vigias de pontes e estivadores.
No momento da criação de suas associações, os veteranos estavam cientes que seus esforços teriam uma duração já de antemão prevista: as entidades de defesa de classe de ex-combatentes (entendidos aqui como aqueles que realmente combateram) só iriam durar enquanto os antigos membros da FEB continuassem vivos e em condições de manter as atividades.
Essa preocupação com o fim das associações submetida à condição dos veteranos como “uma classe em extinção” já se manifestava bem antes do triste descalabro ocorrido com a sede da ANVFEB atingir timidamente a imprensa, de um ou dois anos para cá. Os jornais, informativos e periódicos publicados pelas associações existentes pelo Brasil afora já nos anos 70, 80 e especialmente 90 faziam menção aos prognósticos futuros. Com a concessão de pensões aos veteranos da FEB que foi garantida pela Constituição de 1988, as associações nacionais deixaram de lado o papel que até então desempenhavam como entidades assistencialistas e passaram a atuar primordialmente como divulgadoras da memória e história da FEB.
O desapontamento com o esquecimento da participação brasileira na guerra foi constante desde o retorno dos primeiros contingentes de expedicionários. Nas décadas de 50 e 60 eram comuns reportagens sobre as péssimas condições de vida pelas quais passavam alguns veteranos. Entre os grupos de veteranos, os esforços de garantir assistência e reintegração aos companheiros mais necessitados sobrepuseram-se à preocupação com a memória. Naquele momento, era mais importante garantir as mínimas condições de sobrevivência aos mutilados e neuróticos de guerra do que consagrar a lembrança da atuação da FEB.
A diminuição do problema assistencial – tenha sido pela chegada do auxílio ou desaparecimento físico da maior parte dos “problemáticos” – cedeu lugar à atuação mais eminente das associações como espaços de preservação e divulgação da memória expedicionária. Sempre cientes do esquecimento coletivo sobre a participação brasileira na guerra, os próprios veteranos chamaram a si a responsabilidade por incutir o conhecimento sobre sua experiência na Itália. Assim, muitas associações cuidaram de organizar pequenos museus reunindo artefatos e imagens que na maioria das vezes eram doados pelos próprios veteranos. Na cidade de São Paulo, dos três monumentos evocativos da FEB, o único que atualmente recebe manutenção foi erigido graças aos esforços da própria associação, depois de uma exaustiva batalha burocrática contra a prefeitura e moradores do bairro do Ibirapuera. “Um monumento de guerra poderá desvalorizar alguns imóveis”, argumentou-se.
Qualquer país que preza pela educação de seus jovens dispõe de complexos museológicos integrados ao sistema escolar. Esses museus são parte essencial da experiência formativa dos alunos, e os melhores costumam ser bons o suficiente para interessar desde o leigo, o aluno de ensino fundamental e médio e até o aficcionado e especialista. E em qualquer país decente, há um principal responsável pela educação básica: o Estado. Os museus montados por veteranos tentavam preencher o vácuo da indiferença oficial, desde os mais incipientes até os de médio porte como o de Curitiba. O desleixo governamental arrastou-se durante o segundo período Vargas, passou pelos governos militares e manteve-se de 1985 em diante. Em 1960 houve o traslado dos restos mortais até então sepultados em Pistóia, que hoje repousam no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. O triste é que poucos se dão conta do significado daquele complexo monumental. E o próprio monumento e mausoléu ficaram abandonados por longos anos, como puderam constatar visitantes que testemunharam túmulos rachados e esqueletos à mostra. Mesmo que o MNMSGM seja o último reduto de resistência oficial da memória da FEB, o Rio de Janeiro não foi a única cidade a enviar seus filhos para a guerra.
Quem sabe onde fica o monumento da FEB em São Paulo? Onde adquirir conhecimento sobre o assunto nas outras capitais do Brasil? Se de fato o museu da ANVFEB fechar, ele perece de acordo com o cálculo dos veteranos: durou tanto quanto o longo retorno para casa e a conseqüente guerra combatida contra o esquecimento e o descaso.