O texto que segue abaixo saiu no Correio Brasiliense em agosto de 2008. Há alguns trechos bastante estranhos. Meus comentários estão em azul, intercalados ao texto do Correio Brasiliense.
Depois da frustração, a conquista
Edson Luiz
Terceira parte da série de reportagens baseada em documentos secretos da FEB revela que erro tático norte-americano quase provocou massacre de pracinhas em Monte Castelo
Quais documentos são esses? Desde o final dos anos 70 que não existem mais documentos “secretos” sobre a FEB. Toda a classificação dos papéis nos arquivos já caducou, e o material disponível nos EUA e Inglaterra já foi razoavelmente analisado por vários pesquisadores. Confesso que li apenas a versão online da série de reportagens – não sei se na versão impressa havia menção mais clara do documento citado. No entanto, o mesmo conteúdo já foi publicado no livro “A FEB Pelo Seu Comandante”, organizado sob a cura de Mascarenhas de Moraes e lançado no Brasil em 1947.
O general João Batista Mascarenhas de Moraes, comandante da Força Expedicionária Brasileira (FEB), é chamado pelos chefes do Exército americano. Ele vai ao encontro acompanhado pelos generais Euclydes Zenóbio da Costa e Oswaldo Cordeiro de Faria. Horas antes, as tropas aliadas tinham sido repelidas pelos alemães, mais uma vez, em Monte Castelo, onde, por um erro tático dos Estados Unidos, quase todos os combatentes brasileiros foram massacrados pelos inimigos. A terceira parte da série de reportagens baseada em documentos secretos da FEB descreve esse tenso encontro e a reviravolta na sorte dos pracinhas brasileiros.
Então o quase consumado massacre dos soldados brasileiros foi devido a um erro tático dos americanos? Como, se o planejamento tático dos ataques de 29 de novembro de 12 de dezembro ficou sob o comando da FEB? E os alemães? Não teriam sido eles os responsáveis pela eficácia da defesa?
“Julga que, diante da missão dada à 1ª. DIE (Divisão de Infantaria Expedicionária), que a tropa brasileira tem capacidade ofensiva?”, perguntou o major-general Willis D. Crittenberger, comandante da IV Companhia do Exército americano. O clima fica tenso. “A pergunta foi cruel e decisiva para a sorte da divisão”, afirmou Mascarenhas de Moraes em um dos relatórios secretos sobre a guerra. O comandante brasileiro ainda fez menção de responder, mas Cordeiro de Farias e Zenóbio da Costa interviram e sugeriram que Crittenberger fizesse a pergunta por meio de ofício, o que aconteceu no dia seguinte. O documento foi respondido por nossos generais, que sugeriram uma série de mudanças na tática adotada pelos aliados.
Até aqui, não há nada de novo, para não dizer “secreto”. A narrativa detalhada das conferências de Mascarenhas e seus generais com o comandante do IV Corpo de Exército (e não “IV Companhia”) é tão antiga quanto os primeiros livros publicados por veteranos na década de 40.
A primeira batalha em Monte Castelo aconteceu em 24 de novembro de 1944. A FEB atuou com o Task Force 45 americano, mas não obteve êxito. “Começávamos a criar assim, a lenda sobre Monte Castelo, que atraía para si o prestígio de posição inexpugnável”, descreveu Mascarenhas de Moraes no relatório. No dia seguinte, um novo combate, outra derrota e cresce o estado de depressão das tropas, repelidas por tanques inimigos.
O mesmo texto existe no livro de 1947 publicado sob a cura de Mascarenhas, em versão praticamente ipsis literis.
“Essas duas operações não foram convenientemente preparadas pelo comando americano, que na ansiedade de atacar de qualquer maneira não concedeu o tempo necessário para os reconhecimentos da infantaria e da artilharia”, diz o relatório de Mascarenhas de Moraes. A ação dos aliados fora decidida um mês antes, em uma reunião com todos os comandantes também em Passo de Futa para analisar os insucessos das investidas no eixo Florença-Bologna. A intenção era tomar a região até dezembro, antes da chegada do inverno.
Todo respeito é devido a Mascarenhas de Moraes, pelas dificuldades que enfrentou em vários momentos da Campanha da Itália. No entanto, a divisão brasileira já chegara ao setor de Monte Castello três semanas antes que os primeiros ataques fossem realizados. Uma vez empenhados naquele setor, a praxe seria que os comandantes de batalhões brasileiros executassem os reconhecimentos do terreno.
O V Exército americano prometera aos brasileiros a entrega de armas uma semana depois, o que acabou não acontecendo no prazo. Os soldados da FEB não foram suficientemente treinados com os novos equipamentos, o que prejudicou as investidas. “A despeito de todas as providências tomadas, foi o armamento entregue com muito atraso, acarretando sérios prejuízos para a instrução dos 2º e 3º Escalões da FEB, cujas unidades, mal-instruídas e mal adaptadas, eram jogadas atropeladamente para a frente de combate, face a um inimigo que nos dominava por toda a parte, pela vista e pelo fogo”, narrou Mascarenhas de Moraes no relatório.
Mascarenhas, como de costume, está sendo honesto ao apontar as falhas organizacionais. De fato, houve atraso no fornecimento de armamentos e alguns batalhões brasileiros partiram para o front sem o devido preparo que os familiarizasse com o material – um dos batalhões do Regimento Sampaio nem chegou a disparar com os Browning Automatic Rifles antes de entrar em linha. Mas novamente, as deficiências apontadas por Mascarenhas são produto dos problemas que a tropa da FEB trouxe consigo do Brasil, antes que responsabilidade do IV Corpo e V Exército.
Ofensiva ampliada
Ao contrário do que esperava Mascarenhas de Moraes, porém, o IV Corpo do Exército americano aumentou a área de atuação da FEB. A ordem de ataque não era mais apenas Monte Castelo, mas também Belvedere e Monte Della Torraccia. “Para o comando brasileiro e sua tropa, a situação era bastante crítica em face da obstinação dos comandos americanos em retomar a ofensiva antes do rigor do inverno, que se aproximava”, descreve o general. Segundo o relatório da FEB, os pracinhas amarguravam uma situação moral e material desoladora. Enquanto parte dos soldados americanos descansava, os militares do Brasil estavam há 80 dias em contato direto com o inimigo.
Aqui temos um erro factual: o IV Corpo limitou a área de atuação da 1.a Divisão de Infantaria Expedicionária. Torracia e Belvedere ficaram sob a responsabilidade americana. Ah, e então quer dizer que os soldados americanos eram uns folgados que descansavam enquanto os brasileiros lutavam? Vai, ver, foi por isso que os EUA perderam a Segunda Guerra…
A investida de 12 de dezembro foi a mais infrutífera. Chovia intensamente às 6h30, horário marcado para o começo dos combates. A falta de visibilidade atrapalhava qualquer avanço e não permitia a ajuda da Força Aérea. Meia hora antes, tiros americanos em um setor vizinho acabaram com o sigilo da missão. Além disso, uma ordem mal-interpretada por um escalão de apoio desorganizou os procedimentos traçados na noite anterior. “O ataque perdeu por completo a impulsão e foi dado por encerrado às 15h, sem alcançar os objetivos e com sensíveis perdas, cerca de 140 baixas, entre mortos e feridos”, diz o relatório. Apenas 4 mil dos 12 mil tiros programados foram disparados.
De novo é tudo culpa dos americanos…
No relatório de Mascarenhas de Moraes, dois desabafos mostram o estado de espírito dos brasileiros naquele dia: “Foi certamente uma jornada infeliz, onde até os elementos conspiraram contra nós. A experiência na guerra é sempre uma fonte de ensinamentos preciosos. Este combate de 12 de dezembro, certamente o mais espetacular e esquisito insucesso sofrido por nós na Itália, foi prenhe de ensinamentos”. O fracasso também atingiu a tropa, que já estava cansada e sem proteção contra o frio que a cada dia se tornava mais rigoroso. O comandante sentiu, por diversas vezes, a iminência de ver sua divisão completamente destruída, como aconteceu com os portugueses na 1ª Guerra.
Recomposição de forças
Foi justamente devido àquela reunião da noite de 12 de dezembro que a situação dos brasileiros começava a reverter. No ofício enviado ao general Mark Clark, comandante do V Exército, Mascarenhas de Moraes reclamou ao militar dos Estados Unidos da precipitação com que a FEB estava sendo usada. Além disso, pediu 10 dias para reajustar as tropas, além da redução da área de atuação da FEB. Clark, a quem os brasileiros eram subordinados, atendeu os pedidos do chefe da FEB.
No final de dezembro começa a nevar forte na região. Apesar da previsão de reconhecimentos agressivos por parte do inimigo, não houve qualquer ofensiva. A idéia era manter as posições atuais. Até fevereiro de 1945, poucos combates foram realizados pelos brasileiros e, mesmo assim, vários alemães foram aprisionados. O inimigo, entretanto, continuava a atacar. Porém, havia uma determinação para economizar munição, principalmente de canhões e morteiros.
O menor número de prisioneiros foi capturado durante a fase da “Defensiva de Inverno.” Fico cada vez mais curioso para ver o tal relatório de onde esses dados foram tirados. O próprio Mascarenhas cita que em janeiro a D.I.E. só fez 25 prisioneiros.
Em 8 de fevereiro, em uma reunião entre os comandantes, são montados os novos planos para outra ofensiva sobre Monte Castelo. Ao contrário do ataque de 12 de dezembro, desta vez as tropas brasileiras atuaram em conjunto com uma divisão de montanha americana. A missão era atacar em direção a Belvedere e Torraccia. A FEB deveria manter também a guarda de uma área conquistada de 18km, além de conquistar Monte Castelo.
A mais importante vitória dos pracinhas aconteceu em 21 de fevereiro. A batalha começou às 5h30m e, às 17h20m, os alemães já estavam praticamente dominados. O objetivo era o mesmo, a tomada de Monte Castelo. O inimigo também queria o local. Porém, os meios eram outros, como definiu o comandante da FEB: “Tropa descansada, eficiente e de maior efetivo, artilharia mais abundante, aviação mais poderosa e com tempo favorável”, analisa Mascarenhas de Moraes em seu relatório.
As razões da vitória não se esgotam aí. Em fevereiro, Mascarenhas podia contar com uma divisão composta por soldados mais experientes e que tinham passado por um intenso programa de treinamento preparado especialmente para os brasileiros pelo comando do IV Corpo. Além do mais, a 10.a Divisão de Montanha finalmente conseguiu realizar a operação conjunta de conquista do Belvedere que vinha sendo tentada desde dezembro de 1944.